"Viver é bom", proclamas

Já postei aqui uma música dela mas nunca falei da Bebe. Descobri-a há uns meses por causa de uma série da Fox Crime chamada Mujeres Asesinas. A música do final chamou-me à atenção pela brutalidade do som e da letra e fui pesquisar na net. Chama-se Malo e é da Bebe. A Bebe é uma cantora espanhola e, à medida que fui ouvindo mais músicas suas, fui sendo atinginda por aquele sentimento muito comum que me atinge sempre que oiço algo novo e que, sei logo à partida, vou gostar muito no futuro. Depois de ouvir os seus dois cds já editados foi isso mesmo que aconteceu. Gosto muito, muito mesmo do seu estilo que mistura flamenco, a pop, o reggae e até algum rap, às vezes, com o sempre muito marcado desprendimento extremenho, típico destas mulheres da extremadura espanhola y que m'encanta.
Tenho pena de não conhecer mais música espanhola e tenho ainda mais pena do preconceito generalizado que existe com a música espanhola em Portugal. Porque, em geral, não gostamos dos nuetros hermanos, porque achamos que vai ser tudo uma cambada de olés e piroseiras, porque a lingua é feia. Mas quando aprendemos essa lingua aprendemos também a gostar dela, com toda a sua fealdade adjacente, a gostar da sua sonoridade, da sua frescura, da sua força, das suas expressões tão típicas que só fazem sentido ditas em castelhano. E esta pronúncia extremenha, gitana, da Bebe é tão característica que me prende a cada palavra.

Abrazos Rotos é mais um excelente filme de Pedro Almodôvar. Na minha opinião não tão bom, não tão forte, como o Volver, mas para mim, o Volver é o melhor filme que já vi dele. Abrazos Rotos é, como todos os outros, muito forte em termos de história e também muito forte visualmente. Apaixona pelas imagens, os grandes planos, as cores, a ironia de cada imagem, mas também pela estranheza do que se conta, do que se passa, parecendo tão distante da realidade mas podendo ser, na realidade, uma história do vizinho da porta do lado. É, afinal, Almodôvar, mas é também completamente diferente de tudo o que já fez. Vale a pena.

Melancolias... e a memória de Barcelona.

Bico Calado

Se eu fosse mal educado
dizia que é muito feio
construir o socialismo
com fascistas de permeio.

Mas como não sou, eu fico
cego, surdo, mudo e quedo
a repetir uma história
sem lhe saber o enredo.

Por falar em socialismo
lá porque alguém o apregoa
não quer dizer que não esteja
a dizer coisas à toa.

E lá porque alguém nos fala
também em revolução
não quer dizer que não esteja
a vender lobo por cão.

Eh lá bico calado
muita coisa para dizer
eh lá bico calado
muita luta para vencer.

Tenho bichos carpinteiros
não consigo ficar quieto
meto-me no que não devo
no que devo não me meto.

Não consigo ficar quieto
devo estar mas é doente
quanto mais ando para trás
mais quero andar para a frente.

E quando olho para a frente
vejo um oftalmologista
que me atira areia aos olhos
e que tem poeira na vista.

É que ao olhar para isto tudo
Há dois olhares bem distintos
o dos que vivem à larga
e o dos que apertam os cintos.

Chamo as coisas pelo nome
pão é pão e queijo é queijo
fome é fome e povo é povo
saúde é que eu vos desejo.

E se comeste hoje a carne
amanhã róis o osso
se comeste ontem a ameixa
hoje chupas o caroço.

E por falar em comida
voltemos à vaca fria
será que a boca do lobo
já não morde como mordia?

Ou será que já voltamos
à pureza inicial
em que o lobo ainda era
um encanto de animal?

Eh lá bico calado
muita coisa para dizer
eh lá bico calado
muita luta para vencer.

Sérgio Godinho